Em sua terceira audiência pública, a comissão temporária para atualização do Código Civil discutiu como adaptá-lo à realidade tecnológica e às novas formas de relação entre pessoas, empresas e o próprio Estado. Especialistas e senadores trataram, nesta quinta-feira (23), desde a inclusão de um livro sobre direito digital no Código até a tutela civil dos animais e a revisão de conceitos estruturais, como o de ato ilícito. A avaliação foi a de que o país precisa de uma legislação civil compatível com as transformações sociais das últimas duas décadas.
Presidido pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o colegiado analisa o Projeto de Lei (PL) 4/2025 , que atualiza mais de 900 artigos e inclui 300 novos dispositivos no Código Civil , em vigor desde 2002. O relator é o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
A juíza Patrícia Carrijo, presidente da Associação dos Magistrados de Goiás, apontou avanços na redação proposta para o artigo 186, que redefine o conceito de ato ilícito.
— A nova redação está mais alinhada à doutrina atual, porque o ato ilícito é um ato antijurídico, que viola o direito, mas nem sempre provoca dano. A responsabilidade civil e o ato ilícito não são a mesma coisa, e o Código de 2002 não corrigiu esse problema — afirmou.
O professor Vicente de Paula Ataíde Junior, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), disse ser preciso incluir a tutela civil dos animais na parte geral do Código.
— O atual Código é completamente omisso sobre a natureza jurídica dos animais. A proposta cria base para uma proteção jurídica especial, conforme a Constituição de 1988, que proíbe a crueldade contra animais — afirmou.
O senador Rodrigo Pacheco, que apresentou o (PL) 4/2025, elaborado pela comissão especial de juristas no ano passado, reforçou que a inclusão do tema representa uma inovação necessária.
— Outras legislações do mundo já tutelam essas relações. O Brasil precisa se atualizar para garantir proteção jurídica tanto aos animais quanto à afetividade que une seres humanos e animais. É uma novidade importante no direito civil brasileiro — observou.
O professor Dierle José Coelho Nunes, da Universidade Federal de Minas Gerais, defendeu a consolidação de um livro de direito digital no novo Código Civil, como resposta à transformação tecnológica.
— Vivemos uma verdadeira virada tecnológica. Criamos uma racionalidade digital que muda as relações sociais e jurídicas. Ignorar isso significa deixar o país em um cenário de anomia regulatória, um velho oeste digital — avaliou, ao defender "parâmetros jurídicos sólidos" para o ambiente virtual.
O relator-geral da comissão de juristas responsável pela elaboração do anteprojeto, Flávio Tartuce, também disse ter o tema sistematizado dentro do Código, com a inclusão das assinaturas digitais no livro.
— Precisamos de um livro próprio sobre direito civil digital, que venha logo depois da parte geral. Cabe ao legislador definir se isso será um novo campo do conhecimento e essa é justamente a nossa tarefa — disse.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ) ponderou que a definição sobre o formato ainda está em aberto.
— A questão é se o direito digital deve ter um livro próprio ou ser incorporado aos outros capítulos, por ser um tema transversal. A comissão precisa discutir essa sistematização com mente aberta — afirmou.
A desembargadora Débora Vanessa Caús Brandão, do Tribunal de Justiça de São Paulo, rebateu críticas sobre a velocidade dos trabalhos e lembrou que a revisão do Código é fruto de décadas de estudo.
— Não é uma discussão feita a toque de caixa. Refletimos sobre o Código de 2002 desde 1969. Se vivemos em um mundo tecnológico, em que nos comunicamos instantaneamente, é natural que o debate avance de forma mais ágil — disse.
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