Apesar dos esforços do governo e das leis aprovadas pelo Congresso Nacional, o número de feminicídios no país continua alto. Conforme enfatiza a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), uma mulher é assassinada no Brasil a cada seis horas. Por esse motivo, as dificuldades para a implementação do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios foram o tema de uma audiência pública que aconteceu no Senado nesta terça-feira (21).
Entre os entraves à implementação do plano, os participantes do debate apontaram a persistência de uma cultura machista, a baixa capacitação dos agentes públicos que atendem as vítimas, a falta de integração entre os órgãos governamentais (e, portanto, dos dados disponíveis), além da falta de investimentos nas secretarias estaduais e municipais responsáveis pela proteção das mulheres.
A audiência foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado. Esse tema foi escolhido porque o plano de ação do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios foi uma das políticas públicas que a CDH selecionou para avaliar neste ano. A avaliação está sob a relatoria de Mara Gabrilli.
O plano de ação foi lançado pelo governo federal em 2024, para ser implementado em conjunto por vários ministérios, mas sob a coordenação do Ministério das Mulheres. O orçamento previsto para o plano é de R$ 2,5 bilhões.
De acordo com o Mapa da Segurança Pública de 2025, quatro mulheres são assassinadas por dia no Brasil. Tal estimativa, ressalta a coordenadora do Observatório da Mulher contra a Violência do Senado, Maria Teresa Firmino Prado Mauro, indica que o número de feminicídios não vem diminuindo no país, mesmo com o reforço de políticas públicas e da criação de novas leis sobre o assunto.
Ao reiterar que as estatísticas são alarmantes, Mara Gabrilli destacou a importância de se avaliar o plano de ação do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios — que prevê 73 ações — e contribuir para sua implementação. A senadora informou que seu relatório final será apresentado até o final do ano e deverá identificar os principais gargalos e desafios do plano de ação.
— Apesar das diversas leis aprovadas por nós aqui no Congresso Nacional (como a Lei Maria da Penha , a tipificação do feminicídio , a Lei Mariana Ferrer e a Lei do Stalking ), a cultura machista está profundamente arraigada na nossa sociedade e continua a submeter as mulheres ao medo, à opressão, a agressões, a costumes que nos reduzem a cidadãos de segunda classe, a meros objetos que os homens querem dominar e possuir. Precisamos combater, com muita força e ações concretas, as condutas criminosas praticadas contra as mulheres — declarou ela.
Para a deputada distrital Dra. Jane Klébia, que também é delegada de Polícia Civil, a falta de capacitação dos agentes públicos para o acolhimento das mulheres vítimas de violência é um dos principais gargalos para a implementação das políticas públicas de proteção ao público feminino.
— Nós efetivamente precisamos preparar [os agentes]. Se nós tivéssemos um sistema único, essa preparação chegaria a eles de forma constante, para que um policial não receba uma mulher em situação de violência e faça uma pergunta como: “A senhora tem certeza que veio aqui para prender o pai dos seus filhos? Se ele for preso amanhã, quem vai cuidar dos seus filhos? Onde a senhora vai morar?". Essas palavras têm o poder de destruir, naquela mulher, suas certezas.
Em raciocínio semelhante, Regina Célia, co-fundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha, defendeu a atualização constante da formação dos agentes responsáveis por acolher e proteger essas vítimas.
Os participantes do debate afirmaram que o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios precisa integrar os órgãos públicos — incluindo as secretarias da mulher dos estados e dos municípios — para unificar e qualificar dados e procedimentos. Dessa forma, argumentam, serão possíveis diagnósticos mais precisos e a formulação de políticas públicas baseadas em evidências.
— Ainda não encontramos um eixo de integração da rede de proteção da mulher em situação de violência, e isso, infelizmente, contribui para o alto número de feminicídios. Porque, alinhado aos altos números de violência doméstica e feminicídios, encontramos a violência institucional. A violência institucional muitas vezes acontece devido à desinformação e ao modo como essa mulher deixa de ser acolhida em ambientes que deveriam lher oferecer garantia, proteção, confiança e credibilidade — declarou Regina Célia.
Uma das iniciativas do governo federal destinadas à integração e à qualificação de informações (visando à formulação de uma base nacional de dados que subsidie o pacto) é o uso do Formulário Nacional de Avaliação de Risco - Fonar.
Esse formulário procura identificar os fatores de risco para uma mulher (de vir a sofrer qualquer forma de violência no âmbito das relações domésticas e familiares). De acordo com o governo, "o objetivo é subsidiar, com maior rapidez e eficiência, agentes de polícia, delegados, juízes e servidores da Justiça com informações para que eles possam reconhecer o risco elevado de morte da mulher ou qualquer forma de violência doméstica para, assim, poder ajudá-la com os pedidos de medida protetiva de urgência e/ou cautelar".
O coordenador do Conselho Gestor do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Rafael Rodrigues de Sousa, informou que, até o momento, 12 estados já adotaram o Sistema de Procedimentos Policiais Eletrônicos, utilizado nas delegacias para o registro das ocorrências. Ele afirma que, com isso, haverá a padronização de procedimentos e dados, incluindo os relacionados ao Fonar e a mais 18 formulários sobre medidas protetivas de urgência.
— Então esses 12 estados já têm o Fonar e todas as medidas informatizadas, permitindo a consolidação de uma base nacional, que é algo que a gente vem buscando já há bastante tempo, que é essa coleta de informações em âmbito nacional de forma padronizada — declarou ele.
A presidente da Associação de Assistência às Mulheres, Crianças e Adolescentes e Vítimas de Violência (Recomeçar), Rosana de Sant’Ana Pierucetti, disse que as secretarias estaduais e municipais envolvidas na proteção à mulher precisam de orçamentos maiores.
— Nós temos muitas secretarias da mulher que, quando a gente vai conversar com elas sobre algum projeto, o que elas nos dizem? “Não temos orçamento”. Então a gente precisa entender por que isso ainda não está acontecendo. Por que esse financiamento não está chegando às secretarias? A gente luta tanto para que haja essas secretarias da mulher, e muitas vezes a gente vê essas secretarias sendo tolhidas — protestou ela.
Maria Teresa Firmino Prado Mauro observou que a Pesquisa Nacional de Violência Contra à Mulher, divulgada em 2023, revela que a mulher vítima de violência busca uma rede de proteção mais próxima antes de recorrer aos serviços oferecidos pelo Estado.
— Na pesquisa, o que a gente vê é que, em primeiro lugar, essas mulheres procuram a família. Depois elas procuram a igreja, os amigos, nessa ordem. Só depois elas começam a procurar o atendimento do Estado, a ligar para o 180, a ir até uma delegacia.
Segundo ela, é preciso atuar junto a essa rede mais próxima.
— [Temos de descobrir] onde podemos atuar, não só como Estado, mas também nesses lugares, antes dos serviços oficiais.
Além disso, Maria Teresa reiterou a necessidade de capacitação dos agentes públicos para que as medidas de proteção, segurança e acolhimento não falhem.
A Pesquisa Nacional de Violência Contra à Mulher é realizada pelo Observatório da Mulher contra a Violência do Senado, que é coordenado por ela.
Como exemplo de sucesso no combate ao feminicídio e à violência contra a mulher, Maria Teresa citou o caso do Acre. Ela afirmou que a implantação de políticas públicas nesse estado teriam levado a uma redução de 43% dos casos de feminicídio nos últimos sete anos.
Entre as ações implementadas no Acre, ela citou o Projeto Justiça de Gênero, desenvolvido pelo Ministério Público do Estado, que busca identificar, nos casos de tentativa de violência e feminicídio e violência, em quais fases houve falha da rede de apoio.
Atualmente, o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios envolve 11 ministérios. Foi o que destacou a coordenadora do comitê gestor do pacto, Estelizabel Bezerra da Silva. Ela também está à frente da Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres do Ministério das Mulheres.
Estelizabel também informou que, das 27 unidades da federação (26 estados e o Distrito Federal), 17 aderiram ao pacto. Ela observou que a adesão não é uma obrigação.
Ela ressaltou que, entre as ações incentivadas pela secretaria por meio do pacto, estão as política de reparação dentária; o acesso à pensão pelos órfãos do feminicídio; a assistência à saúde da mulher; a redução da burocracia exigida para a transferência de servidoras federais vítimas de violência; as cotas de gênero de 50% no chamamento para a segunda etapa do Concurso Nacional Unificado (CNU) e de 8% de mulheres vítima de violência doméstica na contratação de empresas terceirizadas nos contratos do Executivo federal.
Sensação
Vento
Umidade